Cadê
teu cheiro...
Jamais imaginei ser tomado abruptamente
pela ausência impetuosa das fragrâncias matinais: O café, o licor refrescante
do sabonete no banho, o aroma do pão quente, o sentir do perfume se misturando à
mesa posta.
No lugar das coisas simples e
cheirosas, uma febre instantânea, um calafrio e só de pensar e lembrar me dou
em calafrios daqueles dias tão estranhos, gris, frios e quentes. O corpo no embate
quase que mortal, uma luta desonesta que muitas vidas sucumbiram e outras
venceram através principalmente da imunidade da fé. O remédio mais caseiro da alma.
Senti e ainda sinto muita falta do teu
cheiro imperdoável. Do sabor único, do calor olfativo da tua presença. O cheiro
da chuva, o cheiro da brisa calma do tempo tão ventilado, o cheiro do almoço,
do jantar, o cheiro da saborosa sobremesa, cadê o cheiro de tudo? Que mundo sem
graça é um mundo sem fragrância. É como não ter olhos coloridos para ver as
cores vivas da beleza extrema e natural da vida em seus contrastes.
A ausência da tua aptidão. Redescobrir
um momento da vida através de outros sentidos, que não o do mais notável e
peculiar que é o teu cheiro. Tempos tão estranhos, de solidão e passatempo
sorrateiro das horas nuas, sem sabor e cheiro das coisas mais saborosas da
vida. Ausência de muita coisa que essa coisa imperceptível nos tira. Levou de
nós até o carinho e a ocitocina que um abraço bom nos traz, um aperto de mão
entre amigos, nos enclausurou na amargura da solidão de nós mesmos. Fez-nos perceber
que somos seres incompletos. Porque o que nos completa está tão próximo de nós,
mas por agora intocáveis.
Levaste o sabor do cheiro e o cheiro
palatável do sabor. Há de se vencer o medo, há de se lutar com gosto e com vida
para que não percamos a batalha para permanecermos de pé. Não será a tosse, a
febre, as dores de cabeça e as que se impregnaram pelo corpo, que tirarão de
nós a força que vem da imunidade da fé incompreensível de que suportaremos,
resistiremos e venceremos, ainda que seja além de duas semanas. Pouco importa,
a vida é plena para reclamarmos que roubaram de nós alguns dias de solidão e
loucura de nos isolarmos e ficarmos presos, para que sobrevivamos para um
futuro de liberdade.
Cadê teu cheiro????? a palidez da necessidade
de sentir o aroma da felicidade nas coisas mais comezinhas, farão de nós, seres
tão frágeis e estúpidos, um experimento do criador que ainda poderá dar certo.
Se não aprendermos desta vez, que o ar que fez falta, a febre que pela primeira
vez trouxe medo, a ausência do sabor e omissão olfativa, coisas tão banais que,
na ausência desse conjunto de coisas, simplesmente morremos.
Não toquei você. Nem pude beijá-la. Roubaram
o abraço, levaram teu cheiro, teu sabor... Vida ingrata. Quisera eu ter todos
os dias o cheiro que já foi embora. Vida grata. Porque sobrevivi a uma tempestade
invisível que além de encharcar tantos sonhos, ela leva da gente a alma e o sopro
das horas que precisamos para simplesmente poder dar tempo de sentir um cheiro...
ou dar um cheiro carinhoso em quem amamos.
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